Contaminação nunca mais; represa Guarapiranga respira aliviada. Todos os 17 pontos estudados por monitoramento independente se revelam "bons" ou "ótimos". Os parâmetros que integram o Índice de Qualidade da Água (IQA) estão, enfim, de acordo com a legislação vigente, a Resolução Conama 357/2005, e superam as metas da Lei Específica.
Isso é... FAKE NEWS. Óbvio demais, né?
A notícia recente sobre o convênio da Prefeitura de São Paulo com a Sabesp para a realização de obras de saneamento na Guarapiranga (investimento de R$ 203 mi, como anunciado) dá um fiapo de esperança, mas não se iluda.
A verdade nua e crua é que nossa pobre Guarapiranga continua doente, maltratada. Continua por um fio. E não somos nós, da ANGua, que falamos.
Estamos publicando (abaixo) em primeira mão uma nova edição do Laudo Técnico Reservatório Guarapiranga 2021, Segunda Campanha de Coleta, Setembro de 2021, produzido por pesquisadores do Projeto IPH (Índice de Poluentes Hídricos), da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).
Os destaques (no pior sentido da palavra, diga-se de passagem):
• Intensificação das ocupações e perda significativa da vegetação no entorno, gerando assoreamento de diversas áreas do reservatório.
• Fundo intensamente comprometido, com poluentes que decantam e permanecem.
• Presença massiva de parasitas, como helmintos, protozoários e fungos, oferecendo sérios riscos à saúde da população que utiliza a água.
• Estudo de antibiogramas mostra elevado grau de resistência a antibióticos pelas bactérias que persistem em se manter nas águas do reservatório. Isso significa que, no caso de contaminação, o tratamento para doenças adquiridas (gastroenterites) vai ficar mais difícil.
Os detalhamentos (alerta ao leitor: contêm trechos fortes que provocam revolta, preocupação e asco):
• No ponto 1, chamam atenção a ocupação intensa e desenfreada às margens da represa, além do lançamento de esgoto não tratado diretamente no reservatório.
• No ponto 2, há grande quantidade de sanguessugas, além de parasitas intestinais no sedimento do fundo e agregados à vegetação (macrófitas).
• No ponto 4, as bactérias patogênicas do grupo coliformes dominam a cena – em quantidade 20 vezes superior ao limite estabelecido pela legislação.
• No ponto 5, a contaminação é intensa por bactérias do grupo coliformes e espécies patogênicas. Dois grupos de bactérias se mostraram resistentes a três tipos de antibióticos.
• No ponto 6, dá para ver placas fecais boiando, e o cheiro de esgoto é fortíssimo. Mais: a análise parasitológica da água identificou ovos de helmintos e cistos de protozoários causadores de doenças.
• No ponto 9, os coliformes fecais estão ainda mais concentrados – quatro vezes mais do que preconiza a legislação. E o pior: as pessoas têm acesso àquela água, já que a área é usada para natação e outros esportes náuticos!
• No ponto 12, o parâmetro fósforo está 40 vezes acima do que preconiza a legislação – um indicador de despejo de esgoto doméstico não tratado, principalmente saponáceos.
• No ponto 15, houve uma piora da qualidade da água, tanto na superfície quanto no fundo (e, veja, na primeira coleta de 2021, ele já havia sido considerado o local mais fragilizado do reservatório). Ali, há alta concentração de bactérias do grupo coliformes termotolerantes e presença efetiva de placas fecais. Dos grupos de bactérias estudados, três apresentaram resistência a dois tipos de antibióticos.
• No ponto 17, houve perda significativa de profundidade (cerca de 2m). A área está assoreada, como reflexo da alça do Rodoanel, e, mais, contaminada com microrganismos patogênicos e traços de metais (ferro, manganês).
E agora?
Pergunta ainda sem resposta.
De um lado, as informações científicas do Projeto IPH da USCS; de outro, a Lei Estadual 12.233/06, a qual definiu e fixou como meta a redução da carga poluidora afluente ao reservatório Guarapiranga até 2015 (ano sem erro de digitação).
A conclusão é uma só: distância abissal entre os pontos.